“Em gerações passadas havia avrachim que perguntavam ao noivo no dia seguinte à noite nupcial: descobriu ou encontrou? Se respondia descobriu, eles compartilhavam sua tristeza, e se respondia encontrou, alegravam-se com ele.”
RESENHA: Um romance onde não há censuras sobre a posição de OZ o que pensa sobre a antiga e pesarosa questão ente judeus e palestinos. Indagações morais profundas que há muito tempo nos incomodam tais como na política: imputar poder a alguém que não mereça, ou melhor ainda, empossar alguém, dar-lhe poder sem que a pessoa seja no mínimo merecedora que dirá centrada é presentear-lhe com uma arma e uma ordem de execução sem pensar.
Shmuel Asch é um jovem universitário tímido, meio desajeitado, que vive na Jerusalém dividida, costuma frequentar reuniões de um grupo de jovens socialistas e esta às voltas com um trabalho de pós-graduação intitulado “Jesus na visão dos Judeus”.
Sente-se um tanto deslocado na casa dos pais e quando seu pai perde tudo, sua namorada também o deixa se casando com um antigo namorado, ele tranca a matrícula da universidade e resolve partir procurando isolamento.
Sua pesquisa sobre a evolução histórica da percepção de Jesus o leva a questionar o papel de Judas na História do Cristianismo. Mas devido a situação da falta de recursos financeiros, arruma um trabalho como cuidador de um idoso, Gershon Wald, professor aposentado, com quem aprende mais sobre política, filosofia e religião que em todos os livros que já teve contato na universidade.
Wald divide a casa com Atalia Abravanel, sua nora, viúva de seu filho, e além disso também filha de um líder pacifista que foi assassinado. Eles formam um trio peculiar, um intelectual, um jovem que anseia por descobertas e uma viúva cínica, astuta e sedutora.
Claro que Asch se encanta por Atalaia, mas isso não teria futuro nenhum, ela não manifesta interesse em ter intimidades novamente com o sexo masculino. Um livro autobiográfico, visto que Oz foi rotulado como traidor por muitos de seus pares, ele fez desta obra, aliás, seu último romance o apoio para uma reflexão sobre o sentido da traição.
Oz com toda sua ousadia também se questionou se haveria solução para esta batalha cruel que se trava por inúmeros anos sem previsão de luz.
Erros e arrependimentos permeiam as páginas, bem como as perguntas que pairam até hoje: se não tivesse havido a traição e Jesus não tivesse sido entregue aos romanos, como seria o cristianismo moderno? O estigma do “assassinato de Jesus” ajudou a selar o destino do povo judeu em diversos momentos históricos.
Em algumas passagens do livro Wald questiona o amor desprendido de Jesus, isso me incomodou bastante, pois fui criada em uma família extremamente católica e não fui incentivada a ter dúvidas sobre amar ao próximo como a nós mesmos, a ser uma boa pessoa, não cultuar inveja e etc... E o personagem afirma e reafirma que não nascemos para amar mais do que um punhado de pessoas:
“O amor é um evento íntimo, estranho e cheio de contradições, pois mais de uma vez nós amamos alguém por egoísmo, por cupidez, por desejo físico, por vontade de dominar o amado e subjugá-lo, ou, ao contrário, devido a uma espécie de desejo de ser dominado pelo objeto de nosso amor, e geralmente o amor se parece muito com o ódio e é mais próximo dele do que imagina a maioria das pessoas”.
Wald acha que alguns judeus são repletos de ódio que se tivessem o poder e o domínio agiriam da mesma maneira que os cristãos que odeiam Israel. Ele perdeu seu único filho assassinado pelos árabes na Guerra da Independência quando foi criado o Estado de Israel.
Pareceu-me que lá no fundo isso não conscientemente é claro e nunca dito em alto e bom som Wald também odiava o pai de sua nora já falecido, Shaltiel Abravanel, um intelectual ativista, pois ele exerceu certa influencia em seu filho na decisão de se alistar para lutar a fim de que fosse possível árabes e judeus conseguirem conviver pacificamente.
Isso fez com que Wald, pelo duro golpe da perda do filho, observasse com clareza o mundo e os povos, não acreditava que este tivesse conserto e acha que todos aqueles sem exceção que juravam que eram capazes de serem os ”salvadores do mundo” ocasionavam massacres transformando tudo em rios de sangue.
Nesta obra as políticas assim como a religião exigem devoção e representam o topo do poder. E as duas separadas já se tornam sanguinárias quando se juntam, representam o caos iminente:
"O judaísmo e o cristianismo, e também o Islã, destilam todos eles o néctar da graça, da justiça e da compaixão, mas só enquanto não têm nas mãos algemas, grades, poder, porões de tortura e cadafalsos. Todas essas crenças, e mais aquelas que nasceram nas últimas gerações e continuam até hoje a enfeitiçar muitos corações, todas vieram para nos salvar e rapidamente acabaram derramando nosso sangue. Se ao menos um dia desaparecessem do mundo todas as religiões e todas as revoluções, eu lhe digo – todas, até a última delas, sem exceção – vai haver muito menos guerras no mundo”.
Para Wald, Abravanel era um sonhador, e assim como Jesus acreditava no amor universal, mas parece que ninguém entendeu o que ele pretendia:
“(…) não obstante tudo que eu lhe disse antes, felizes os sonhadores, e maldito aquele que lhes abre os olhos. É verdade que os sonhadores não irão nos salvar, nem eles nem seus discípulos, mas sem sonhos e sem sonhadores essa maldição que paira sobre nós seria mil vezes mais pesada. Graças aos sonhadores, nós também, os sóbrios talvez fiquem um pouco menos petrificados e desesperançados do que estaríamos sem eles (…)”.
Espero que tenham gostado das considerações, é uma obra que acho muito interessante pelos questionamentos que aborda.
Beijos até mais..
Nenhum comentário:
Postar um comentário